domingo, 1 de maio de 2016

Endocrinologia do Crescimento Muscular

Hipertrofia muscular se refere ao termo usado sobre o ato de construção do músculo esquelético. Este processo, requer a fusão de novas células (células satélite) com as fibras musculares existentes. Esforços físicos, como levantamento de peso, irão causar traumas ou fissuras nas fibras musculares e este, será o estímulo necessário para ativar as células satélite causando a divisão, multiplicação e formação de mioblastos. A primeira fase da hipertrofia também é conhecida como a fase de proliferação das células satélites. Na próxima etapa, também conhecida como diferenciação, os mioblastos irão se fundir com as fibras musculares existentes, doando seu núcleo. O número de núcleos em relação a área, ajuda a determinar o tipo de fibra da célula, podendo ser de contração lenta (aeróbica) ou contração rápida (anaeróbica).

O músculo esquelético é multinucleado, ou seja, possui muitos núcleos. Com o aumento de número de núcleos, isso permite a célula regular o citoplasma, podendo aumentar a produção das proteínas contráteis actina e miosina, no músculo esquelético. Isto aumenta o tamanho geral da célula e a quantidade de proteína na célula muscular. Com isso, é importante perceber que a hipertrofia não se refere a criação de novas células musculares, e sim do aumento do tamanho da célula já existente e seu conteúdo proteico. É também possível para os mioblastos se fundirem e formar novas células, porém, este processo é conhecido como hiperplasia e não se classifica como o mecanismo primário para o crescimento muscular em adultos.


Fase 1: Resposta Inicial


A resposta inicial, refere-se as mudanças químicas que ocorrem imediatamente durante o treino. Esta fase, conhecida como fase de ativação,  controla a resposta de outros sinais seguintes. Esta fase é caracterizada pelo lançamento do ácido araquidônico das células musculares e pela formação de mensageiros ativos incluindo prostaglandinas, citocinas, leucotrienos e prostaciclinas. O ácido araquidônico é um acido graxo polinsaturado obtido através da dieta ou pela conversão do ácido graxo essencial, ácido linoleico. Ele funciona como um sinal intracelular ou extracelular da inflamação e homeostase. Eles são formados rapidamente e são destruídos enzimaticamente ou decaem espontaneamente.

O processo começa com a quebra da camada externa fosfolipídica da célula muscular, causada com o esforço em atividade física. Fosfolipases são lançadas em resposta a este trauma, a qual causa o lançamento de alguns dos fosfolipídios guardados em outra camada das células musculares. A parte excêntrica do movimento é de importância particular aqui, que representa a fase negativa do movimento, onde o músculo é esticado sob resistência.




No estágio de ativação (Activation), células satélite dormentes são estimuladas a entrar no ciclo celular. Na proliferação há a formação de novos mioblastos (células doadoras). Na diferenciação, estes mioblastos irão se fundir com fibras musculares danificadas (pelo exercício). Isso permite a síntese proteica e expansão do tamanho celular, como explicado anteriormente. Quiescência marca o retorno ao estado de dormência, onde as células satélites irão descansar sobre a camada exterior das fibras. A miostatina, um conhecido inibidor de crescimento muscular, acredita-se ser um regulador chave nesta fase.



A quantidade de acido araquidônico liberado, o qual é o lipídio bioativo no processo anabólico, irá controlar largamente o que ocorre durante esta fase. O ácido araquidônico é convertido localmente e imediatamente via enzimas para um número de produto anabólico ativo final, sendo as prostaglandinas as mais notáveis em termo de crescimento muscular, que são produzidas via interação com as enzimas ciclooxigenase. Estas prostaglandinas (PGE2 e PGE2alpha) irão controlar muito da próxima fase, identificado aqui como a fase da Preparação do Tecido Localizado. Adicionalmente, a prostaglandina PGE2 irá trabalhar para aumentar os níveis de óxido nítrico local, o qual é também uma molécula ativa no processo anabólico. Ela irá ter sua ação voltada a dilatação dos vasos sanguíneos, com o objetivo de aumentar o fluxo de nutrientes e hormônios para o músculo, e também aumentar a produção de HGF(fator de crescimento de hepatócito) para ativação da célula satélite. O acido araquidônico contribui para a inflamação e sinalização de dor, e seu lançamento tem uma importante fator na dor que seguinte em uma atividade produtiva de treino.

O treino intenso e a relativa densidade do acido araquidônico na camada fosfolipídica (a disponibilidade de ácido araquidônico é em ultima análise, o passo limitante da velocidade na formação de prostaglandinas anabólicas) ira determinar o quanto deste potente lipídio pode ser liberado durante o exercício. A quantidade de ácido araquidônico guardado no músculo esquelético está também em um constante fluxo. Um número de fatores estão envolvidos nessa regulação e os mais notáveis são a ingestão na dieta e utilização diária. Treinamento resistido regular, depleta (reduz) as reservas de ácido araquidônico, trocando ele com outros mais abundantes, como os ácidos graxos. Com menos ácido araquidônico disponível, diminui a capacidade de resposta das prostaglandinas para exercícios regulares.

Isto explica o fato de que quando começamos um treino após uma longa pausa, as sensações de dores são mais intensas, e com o passar do tempo e exercício, torna-se mais difícil ter aquela mesma sensação de dor. Quando estamos em constante trabalho resistido, o fluxo é maior e a quantidade de reserva diminui., tornando mais difícil o lançamento em uma quantidade grande o suficiente para causar aquela sensação que ficamos quando estamos muito tempo parados (com uma reserva alta).



Fase 2: Preparação do Tecido Localizado


A segunda fase é caracterizada por um aumento localizado da expressão do fator de crescimento e a sensibilidade dos tecidos a hormônios anabólicos. Inicialmente ele precisa aumentar a densidade de certos receptores nas fibras dos músculos específicos onde ele precisa iniciar o reparo. Isto inclui, entre outros, IGF-1, MGF, andrógenos e receptores de insulina. Os principais ativadores disto são as atividades físicas e a resposta da fase 1. A regulação da densidade dos receptores é importante porque previne hormônios anabólicos de serem estimulados em locais não desejados. A densidade destes receptores pode ser tão forte que acaba por exercer uma força sobre a atividade farmacológica dos medicamentos anabólicos e seus níveis séricos.





A inibição da enzima ciclooxigenase-2 com drogas anti-inflamatórias como ibuprofeno, acetaminofeno ou aspirina impede a formação das prostaglandinas ativas. Sem a formação de prostaglandinas a cascata de anabolizantes fica parada, interferindo na síntese de proteínas após o treino resistido, sendo recomendado o uso de tais drogas apenas em caso de muita necessidade.


Para se ter uma perspectiva geral, podemos lembrar de dois principais componentes que interagem antes de qualquer mensagem que diz à celula muscular para crescer. Nós temos os hormônios ou fatores de crescimento, como testosterona, IGF-1, MGF ou insulina de um lado, e os receptores do outro. Quando injetamos um esteroide anabólico, facilitamos aos receptores se ligarem ao hormônio. Devemos lembrar também que o aumento na produção dos receptores androgênicos também facilitam o processo, pois os hormônios encontrarão mais rápidos os receptores.


De um lado, temos o aumento da sensibilidade no tecido aos hormônios anabólicos e fatores de crescimento, como IGF-1, MGF, FGF, HGF, TNF, IL-1 e IL-6. Estes componentes serão lançados e trabalharão em conjunto no tecido da fibra musculardanificada. Em muitos casos, a ação de alguns deses componentes irão dar suporte a outros como um mecanismo intermediário.

Fase 3; Reparo


Após a fase onde a fibra muscular é preparada com os hormônios e fatores de crescimento (Andrógenos, Insulina, IGF-1, IGF-2, MGF, FGF, HGF, TNF, IL-1 e IL-6 ) irão agir para o reparo e hipertrofia do tecido, tendo um importante papel no processo. A seguir serão descritos de modo geral o papel de cada um destes componentes no processo final.

Fator de Crescimento Hepatócito (HGF)

É um fator de crescimento que reside na superfície externa de células não lesionadas. No momento do ferimento, migra para as células satélite onde provoca sua ativação e a entrada do HGF na célula é regulada através da liberação de oxido nítrico NO2, sendo estimulada em cima do ferimento para facilitar o fluxo de nutrientes e hormônios para o área. PGE2 desempenha um papel crucial na síntese de óxido nítrico e na liberação de HGF. 


Andrógenos


Andrógenos são mimetizados (imitados) pelos esteroides anabolizantes e são responsáveis pela taxa de síntese proteica no tecido muscular esquelético. Eles são também responsáveis por estimular a produção local de IGF-1, extendendo sua função para o ciclo das células satélites. É importante notar que o ácido araquidônico aumenta a densidade do receptor androgênico no tecido muscular esquelético, ajudando nas ligações bioquímicas das fases 1 e 2. 

Insulin-Like Growth Factor I (IGF-1)

É um hormônio do tipo insulina com efeitos anabólicos definidos, tendo efeitos semelhantes ao da insulina, como é percebido pelo seu nome. O IGF-1 aumenta a síntese de proteínas e suporta a proliferação e diferenciação das células satélites. A prostaglandina PGF2 alfa é conhecida fortemente  por regular o receptor local de IGF-1, desemenhando um papel também importante no aumento local da síntese de IGF-1.


Insulin-Like Growth Factor II (IGF-II)

O IGF-II é um seguno fator de crescimento semelhante a insulina, que desempenha um papel na proliferação de células satélite. Ao contrário do IGF-1, o IGF-II não parece aumentar drasticamente em resposta ao treino.


Mechano-Growth Factor (MGF)


MGF é uma variante da IGF recentemente descoberto. Ele é produzido durante um espaço na sequencia da proteína IGF e possui um importante papel no apoio a proliferação dos mioblastos, sendo fortemente regulada para cima no tecido muscular em resposta ao estímulo de treino.

Fator de Crescimento Fibroblástico (FGF)


O FGF é, na verdade, uma família de fatores de crescimento com 9 isoformas (FGF-1 à FGF-9). Seu papel na hipertrofia muscular na idade adulta não é totalmente compreendido, no entanto, acredita-se ser um forte proliferador de células satélite. Pode desempenhar um papel na fase de diferenciação, como muitos fatores de crescimento. A regulação da sua quantidade é feita pelo nível de dano ao tecido muscular, sendo o 2 e o 4 os mais fáceis de se proliferar no tecido muscular.


Insulina


Além de ter uma certa capacidade para aumentar a síntese de proteínas e inibir a degradação das proteínas, insulina é o principal hormônio no transporte de nutrientes no corpo, como glicose e aminoácidos através da membrana plasmática. A ação dos receptores de insulina se dá principalmente após o treinamento resistido, proporcionando uma nutrição imediata para a área afetada, estando também intimamente ligado a prostaglandina PGE2.


Citocinas (IL-1, IL-6 e TNF)


As citocinas constituem um grupo de compostos imunomoduladores. Os ILs são chamadas de interleucinas e TNF é a abreviação de fator de necrose tumoral. Entre outras coisas, elas são conhecidas por estimular a migração de linfócitos, neutrófilos, monócitos e outras células de cura no tecido danificado ajudando na recuperação. Elas ajudam de várias formas, como no auxilio a remoção de células danificadas e regulação de respostas inflamatórias, incluindo a produção de prostaglandinas. As prostaglandinas são conhecidas por desempenhar um papel importante na expressão de todas as 3 citocinas citadas, porém, não são o único estímulo.


Prostaglandinas

Embora estes ~soa os produtos químicos reacionários iniciais chave, as prostaglandinas continuam a desempenhar um papel em todo o processo de construção muscular (incluindo Fase III). Isto inclui o apoio da proliferação de receptores hormonais, o aumento das taxas de síntese de proteínas e uma intensificação da sinalização anabólica do IGF-1.


Estrógenos


Embora não especificamente destaque no presente esboço, estrogênios desempenham um papel menor no processo anabólico. Isto inclui ajudar a aumentar a densidade de receptores de androgênio em determinados tecidos estimulando o eixo GH/IGF-1 e melhorando a utilização da glicose para o crescimento e reparo de todo tecido.


Interação entre eles


De um modo resumido, a imagem abaixo mostra o que acontece no seu corpo a partir do momento que você pega um peso e o posterior reparo celular. A verdade é que este processo ainda não foi completamente entendido e é possível que daqui a algum tempo tenhamos informações novas que possam preencher alguma lacuna de entendimento que porventura tenha ficado sem total compreensão. Para se ter uma idéia, só a partir de 1960 as células satélites foram conhecidas e estudadas. Mais de 40 anos depois, dezenas de fatores de crescimento ainda eram desconhecidos, e agora estão sendo exaustivamente estudados. Isso demonstra que não existe um caminho ou uma fórmula específica para o anabolismo, na verdade, constitui-se de uma série de fatores que trabalham em conjunto para um resultado. O lado bom disso, é que podemos ver o processo em vários ângulos e ter, de varias formas diferentes, uma oportunidade de trabalhar em determinadas partes para ter-se o máximo resultado.



O Crescimento do músculo esquelético é um complexo processo que envolve uma variedade de componentes de sinalização




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